24 setembro 2006

Mundo cão


18h

No salão de chá, mesa ao lado, pai e filha nos cinquentas e nos vintes comentam livros. O dele, sublinhado em fluorescências de verde, capa não visível; o dela, capa exposta, algo sobre matérias do transcendental. Comentavam com ênfase os destaques. Aproximou-se senhora nos cinquentas que fora cumprimentar amigas. Pagam, alcançam a saída. Enquanto aquilo, à mesma mesa outra personagem: pequena e alheada de tudo olhava o vazio de uma tv. Acompanhou o grupo, embora ninguém lhe tivesse dirigido a palavra. Apatia. Ablação. Uma matriarca segue-os como um acrescento apendicular, um inustado acréscimo, uma sobra excisável.

Bebo aquela cena ao lanche. Além da incapacidade das gerações actuais para a manutenção de diálogos nos quais todos os do grupo possam participar - assim manda a educação -, crava-se-me no peito a dor por todos os que, ainda vivos, caminham curvados. Inexoravelmente, trazem dentro a posição jacente da eternidade. Tal como se desce do ventre materno, desce-se para o modo fetal. O resto da vida é um mero erguer de esqueleto a que não é estranha a arrogância. Ditosos os que miram o chão... e meditamsobreofimdosdiasbaços.