Tu
Noites sem ti, o Inferno.
Espero-te arroubos de entusiasmo.
Devoras-me de olhares
se o mundo não nos vê,
sorris triste se sorrio,
pretendes secura, repelão, frieza
que não são tuas, sei-te.
Leio-te nas entrelinhas:
como eu aqui, quieta,
ardes de fogo intenso,
pensas como fazer a
abordagem deste barco
manso e morno onde navego
de corpo retesado,
férrea, aguerrida, vida feita de labutas.
Por vezes, a malícia das frases
faz-me rir por dentro a gula
de ti.
Mas volta-me a sisudez-disfarce,
a inequívoca concentração,
a glacial postura de mulher-fortaleza
que sempre fugiu em frente.
Espero pelo segundo em que decida eu
cravar nos teus os meus olhos,
derreter-te, cedendo e imperiosa,
fremente da dor de tanta delícia.
Para mim te nasceram lábios.
Para ti me nasceram seios,
caminho de perfídias lentas.
O dia é já perto.
Não me acordes.
Enclavinha-te devagar neste corpo
que traz dentro a urgência
da maré que pela costa alonga os braços.
De mim depende o sinal.
De ti, o santo-e-senha.
Abadia gótica
barroco atril
ardo por ti.
Altas me vão as febres
pelo teu nome a voz baixa.
Desde o momento primevo,
o meu pacto foi de sangue.
Nas noites de cartografia
traço-te o mapa do corpo,
arabesco, mãos em brasa,
homem-fera,
madura paixão,
queda abismal,
anticristo,
anjo negro,
demónio meu!
Quero-te uma só noite
e
a cada vez,
a primeira.
(...socorro...)